domingo, 1 de abril de 2007

7. O navegador

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- Elisa Joaninha presta atenção nas contas! – Dizia Teresa à boneca, com a voz a imitar a professora – atenção, muita atençãooo, ouviste?!
Para assuntos sérios, o nome da boneca era Elisa Joaninha. Para os ainda mais sérios, simplesmente Joaninha. Nos demais, chama-se somente Elisa. Mas não havia jeito! Elisa Joaninha era um caso perdido nas contas e por vezes Teresa perdia a paciência com ela. Depois, para a compensar, fazia-lhe bolinhos com pedaços de cenoura crua e açúcar mascavado, que a cozinheira Domingas lhe ensinara. Elisa Joaninha apreciava os bolos, que Teresa comia, mas nem assim as contas saíam certas. Na realidade, Teresa também não tinha como avaliar a boneca, porque contas não eram com ela. Estava há um mês na escola, cantava sem engasgos as tabuadas do 2, 3 e 4, mas ainda não entendera exactamente o que fazer com a cantilena ou sequer suspeitava o que a música e as contas poderiam ter em comum.

Era domingo, sol e calor. Mais tarde iam todas as crianças passear com o avô Antunes que andava lá pelo escritório à procura de uns papéis para encadernar uns selos da sua colecção. Quando as crianças queriam ver os selos, de longe, podiam ir contemplar o avô em arrumações metódicas, disciplinadas e muito chatas. Teresa viu uma vez e desistiu, tal como os seus colegas, à excepção de Norberto que era assíduo. Gostava daquilo, dos pormenores e da minúcia dos preparos, bem mais do que dos desenhos ou figuras estampadas nos selos. Além disso, mantinha-se quieto, o que sem dúvida agradava ao avô quando o assunto era os seus selos. Nisto, o avô com ar satisfeito encontrou o que procurava e juntamente uns quantos cartões postais de que já não estava lembrado.
- Vai lá chamar os outros. – Disse a Norberto.

Norberto foi. Voltou minutos depois acompanhado com Teresa, Henrique, Renato e Helena.
- Postais do Infante D. Henrique. - Disse o avô, enquanto distribuía pelas crianças cartões iguais, com a fotografia de um navio grande.
- Do Henrique? – Perguntou Teresa olhando para o Henrique ao seu lado.
- Do Infante D. Henrique. – Papagueou Norberto.
- Renato lê aqui. – Disse o avô entregando um livro aberto, que folheara entretanto.
- “Henrique D., o navegador. Nê 4 de Março de 1, 3, 9, 4. Fê 12 de Novembro de 1, 4, 6, 0. Infante de Portugal, filho de D. João I e de D. Filipa de Lencastre...” – Soletrava Renato de cara enfiada dentro do livro.
- Nascido em 1394 e falecido em 1460. – Esclareceu o avô acerca dos nê e fê seguidos dos algarismos lidos por Renato, um a um. Coisa que de nada serviu porque as crianças não tinham a menor noção sobre tais números.

Depois contou-lhes um pouco da história de D. Henrique e da razão de um navio com capacidade de transportar mais de mil passageiros, ter esse nome. O pequeno Henrique deleitou-se de haver com o seu nome, um navio e um homem antigo importante para o mundo e quis ficar com o livro onde sobre o tal homem se contava. Norberto perguntou se o avô tinha um selo do homem navegador. Teresa disse que queria ir ver o barco. Renato disse que ia fazer um desenho com navios maiores que aquele e Helena informou que iria escrever atrás no postal e enviá-lo às primas da Metrópole. O avô prometeu a Teresa que a levaria a ver o navio, quando ele voltasse ao porto da cidade. E sugeriu que ela perguntasse coisas do navio à Mena da segunda classe, que já o tinha visto.

Alguns dias depois Teresa perguntou. Mena, contava grandiosidades do navio, destacando sempre que nele fora a sua irmã Joana por ter ganho o prémio de ser boa estudante, como ela própria também já era. Mena e a restante família tinham ido despedir-se da Joana Ribas ao cais, três meses antes. O prémio da irmã, fazia-a crer que um qualquer desígnio divino a tinha colocado acima dos comuns mortais da sua idade e no centro das atenções de alguns adultos. Os demais não lhe davam importância porque seriam ignorantes, no seu entender, e só por isso eram incapazes de ver o quanto ela se destacava pela vitória fraterna. Rapidamente a seu ver, Teresa entrou para o grupo dos estúpidos que não sabem nada de nada, porque se interessou bem mais pelo navio do que pelo prémio, a premiada ou os sucessos presentes e futuros de Mena. Desse incauto grupo faziam também parte Henrique e Lara, a amiga de quem Teresa mais gostava e a quem já tinha falado de Kwadi. Partilhavam-lhe a companhia, na imaginação infantil. A amizade, tinham-na. Quando crescessem haviam de viajar com Kwadi até à tribo. E umas vezes iam de comboio, outras de avião e outras iam de navio. Henrique interrompeu-lhes a brincadeira do intervalo no colégio.

- Quando for grande, vou ser navegador!
Lara e Teresa acenaram-lhe afirmativamente e disseram que iam ser aviadoras, para voarem com os flamingos.
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1 comentário:

Duca disse...

Recordo-me de ter viajado em criança nos navios Uíge, Santa Maria, Príncipe Perfeito e Infante D. Henrique. De todas as viagens, a que mais gostei foi a que fiz no Infante D. Henrique, talvez porque, na época, era mais crescida. Tinha 8 anos.